Em cinco anos, número de sem teto no Rio cresce 642%
Aumento na capital fluminense é maior que o dobro do nacional, segundo dados do Ministério da Cidadania
A população em situação de rua na capital do Rio de Janeiro sofreu uma verdadeira explosão demográfica. Segundo dados do Ministério da Cidadania levantados com exclusividade pelo Voz da Resistência, o número de famílias sem teto na cidade cresceu 642% em cinco anos. O número é maior que o dobro do crescimento nacional, que foi de 302%. Os dados registram apenas famílias cadastradas em programas assistenciais do governo e correspondem ao período entre abril de 2016 e abril de 2021.
Em termos proporcionais, o Rio foi a quarta capital onde mais cresceu o número de pessoas em situação de rua, conforme os dados oficiais. Em primeiro lugar, aparecem Palmas (TO), Porto Velho (RR) e Macapá (AP). Apesar de liderarem o crescimento proporcional, estas três capitais somadas apresentam apenas 232 famílias nesta situação, contra oito mil no Rio. Ao considerar números absolutos, a capital fluminense fica em terceiro lugar, atrás somente de Belo Horizonte (MG) e São Paulo (SP).
Há cinco anos, pouco antes do golpe parlamentar contra a presidenta Dilma Roussef (PT), o CadÚnico tinha 1.089 famílias cadastradas em situação de rua. Agora, são 8.080. Isso significa que, a cada 835 famílias da cidade, uma não tem onde morar. O número difere de um levantamento realizado pela Prefeitura do Rio de Janeiro, de outubro de 2020, onde registram-se cerca de 7,2 mil pessoas.
Segundo a defensora pública aposentada Carla Beatriz Nunes Maia, que trabalhou no Núcleo de Defesa dos Direitos Humanos (Nudeh) até agosto de 2020, os dados levantados através do CadÚnico são muito mais confiáveis. Ela afirma que, antes da pandemia, a Defensoria Pública do Rio trabalhava com uma estimativa de 5 mil pessoas sem teto no centro da cidade, num total de 12 mil em toda a cidade. “Todas as pessoas que conheço que estão trabalhando na rua durante a pandemia, é unânime o comentário de que houve um aumento estúpido da população em situação de rua. Pessoas despejadas, expulsas pelo tráfico ou pela milícia. É um quadro estarrecedor”, avaliou.
Para ela, antes da pandemia, já se observava um aumento vertiginoso de pessoas vivendo ao relento, por falta de aplicação por parte das Prefeituras da Política Nacional para a População em Situação de Rua. O texto prevê que cada município crie um comitê intersetorial para tratar do tema. “Se esses comitês funcionarem, vamos ver esse número reduzindo”, opina Beatriz.
Ela também vê interesses privados na manutenção desta situação. “Muitos abrigos da prefeitura são terceirizados, administrados por organizações sociais. Isso faz com que, ocasionalmente, haja interesses escusos na permanência desse quadro estarrecedor de pessoas vivendo ao relento”, argumentou a defensora aposentada.
Com a chegada do inverno, e com ele, notícias de pessoas sem teto morrendo de frio nas ruas de São Paulo, a Prefeitura do Rio iniciou uma campanha do agasalho, em parceria com a BRT Rio. O objetivo é arrecadar casacos, calças, meias, cachecóis, gorros, mantas, cobertores, entre outros, em bom estado para doação.
“Rio é sede e filial do flagelo bolsonarista”, diz deputada
Segundo a deputada Renata Souza (PSOL), presidenta da Comissão Especial de Enfrentamento à Miséria da Assembleia Legislativa do Rio (Alerj), a crise econômica e sanitária agravam problemas que já existiam. Para ela, o Estado não prioriza o bem estar de todas e todos, só daqueles considerados “úteis”, “produtivos” ou “consumidores”.
“Aqui no Rio, a situação só não está pior por causa das ações de solidariedade entre os próprios pobres. Não creio que seja por acaso que no Rio população em situação de rua tenha aumentado o dobro do que se verificou no país como um todo. O Rio é sede e filial do flagelo bolsonarista”, opinou a parlamentar.
Para ela, o aumento do desemprego, aliado à falta de políticas de habitação, de assistência social e de saúde mental à altura das necessidades, agravam ainda mais a situação das pessoas sem teto. “O que constatamos é o incremento da violência do Estado contra os pobres e pretos. Esta violência se dá de muitas formas, desde a repressão armada, até a negação de recursos para um atendimento emergencial a questões como a fome e a falta de teto. E na capital temos o de sempre: uma Prefeitura mais comprometida com as remoções de interesse da especulação imobiliária do que com o direito de todas as pessoas à dignidade humana”, argumentou Renata.